Kenneth da Nóbrega: 'Confiança mútua é um alicerce inestimável'

Diplomata destaca complementaridades entre as duas economias, expansão do comércio e o papel da confiança mútua nas relações bilaterais.

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Embaixador do Brasil na Índia, Kenneth Félix Haczynski da Nóbrega, fala sobre a ampliação dos laços comerciais e tecnológicos entre os dois países. (Foto: Divulgação)

Em um cenário geopolítico em rápida transformação, Brasil e Índia consolidam uma aliança estratégica com bases sólidas e potencial crescente. O embaixador do Brasil na Índia, Kenneth Félix Haczynski da Nóbrega, revela como os dois países estão ampliando os laços comerciais e tecnológicos, fortalecendo a cooperação em áreas-chave como energia, defesa, saúde, agricultura e transformação digital.

De acordo com o diplomata, a visita recente do primeiro-ministro Narendra Modi ao Brasil representou um ponto de inflexão nas quase oito décadas de relações entre os dois países. “A confiança mútua é um alicerce inestimável nesse relacionamento, ainda mais num mundo em que fatores geopolíticos influenciam cada vez mais as decisões econômicas”, afirma.

Novos negócios e parcerias

O comércio bilateral atingiu níveis recordes nos últimos cinco anos, e o fluxo de missões empresariais tem sido intenso: 75 delegações brasileiras visitaram a Índia apenas nos últimos dois anos. O agronegócio, a indústria farmacêutica e o setor de tecnologia da informação lideram a agenda econômica. “Estamos vivendo o melhor momento das relações econômicas entre os dois países”, enfatiza o embaixador.

No campo energético, a parceria avança com foco em energias renováveis, especialmente na troca de experiências sobre biocombustíveis, setor em que o Brasil é referência. No setor farmacêutico, a Índia já lidera em número de empresas instaladas no Brasil e há um esforço para expandir a cooperação em pesquisa e desenvolvimento de princípios ativos.

O embaixador também destaca o papel do Brasil na reindustrialização verde e o interesse em replicar modelos bem-sucedidos indianos em infraestrutura digital. Com um mercado indiano em expansão e um Brasil em busca de novos parceiros estratégicos, a parceria entre os dois países emerge como uma aliança de futuro. “Mais do que exportar produtos, buscamos construir pontes duradouras, com inovação, sustentabilidade e respeito às realidades locais”, conclui Nóbrega.

Embaixador, como o senhor avalia o atual estágio das relações Brasil–Índia? Há uma percepção crescente de que os dois países podem ocupar papéis estratégicos complementares no cenário global?

A recente visita de estado do Primeiro-Ministro Modi ao Brasil foi um momento de balanço e projeção para uma relação de quase oitenta anos, que combina a tradicional coordenação em negociações multilaterais, com crescente intercâmbio bilateral econômico e tecnológico. Na dimensão bilateral, as áreas mais promissoras são as que definirão o nosso futuro:  defesa, agricultura, energia, saúde e transformação digital. Importante e inestimável alicerce da relação Brasil- Índia é a confiança mútua, em um mundo cujos fatores geopolíticos condicionam crescentemente as decisões econômicas.  Confiança construída ao longo de quase oito décadas, entre dois países sem passivos históricos, geopolíticos ou econômicos.  Sobre esta base de confiança, Índia e Brasil dispõe de espaço político para cooperarem em desafios comuns que são centrais para o desenvolvimento de ambos os países, em momento histórico de transição para uma economia de baixo carbono. Há complementaridades evidentes entre os dois países e outras que podem ser encontradas ou construídas com disposição política e busca proativa de interesses comuns, seja identificando novos produtos de exportação, seja buscando o adensamento dos vínculos entre cadeias produtivas.

Quais têm sido as principais frentes de cooperação econômica entre Brasil e Índia? Há setores prioritários para aumento do comércio bilateral ou novos investimentos em andamento?

Estamos hoje vivenciando o melhor momento das relações econômicas entre Brasil e Índia. O comércio nos últimos cinco anos atingiu o maior patamar da série histórica, os investimentos vêm crescendo e se diversificando, e um fluxo inédito de missões empresariais em ambas as direções têm estimulado múltiplas parcerias em diferentes setores. Apenas nos últimos dois anos, um total de 75 missões brasileiras visitaram a Índia. Temos concentrado esforços em cinco grandes áreas, nas quais vislumbramos maior potencial para estreitamento de laços e abertura de novas frentes: agricultura, defesa, energia, saúde e transformação digital. Além desses pilares prioritários, é fundamental destacar a importância de outros nos quais já se verifica uma relação robusta e com espaço para crescimento, a exemplo do setor automotivo, de mineração e de tecnologia da informação.

A Índia é referência em tecnologia da informação, farmacêutica e energia renovável. Como o Brasil tem buscado se aproximar desses setores estratégicos indianos, especialmente no contexto da reindustrialização verde?

Nessa nova fase das relações, temos priorizado sinergias e parcerias de longo prazo, evoluindo o relacionamento para além das trocas comerciais. Brasil e Índia tem muito a ganhar com um maior intercâmbio de experiências, tecnologia e capacidades. A Índia se tornou de fato uma referência mundial em tecnologia da informação, e temos trabalhado para que o Brasil possa se beneficiar da expertise indiana em infraestrutura digital e desenvolvimento de serviços e produtos de TI. O setor farmacêutico, por sua vez, já responde pelo maior número de empresas indianas instaladas no Brasil, e queremos aprofundar ainda mais esse relacionamento, trazendo para nossa indústria fabricação de princípios ativos, pesquisa e desenvolvimento e agregação de valor em fármacos. Com relação a energias renováveis, temos já um diálogo amadurecido entre os setores produtivos, que criou pré-condições para que a Índia emule a exitosa experiência brasileira de adoção de biocombustíveis na indústria automotiva.

O agronegócio brasileiro é competitivo globalmente e a Índia possui um mercado consumidor em expansão. Existem iniciativas para aumentar a exportação de produtos agropecuários ou para cooperação em tecnologia agrícola entre os países?

Brasil e Índia têm uma oportunidade histórica de transformar suas relações agropecuárias, um dos pilares de sua parceria. O Brasil oferece escala, sustentabilidade e produtividade. A Índia, por sua vez, combina demanda crescente por alimentos, políticas públicas abrangentes e um ecossistema de TI robusto. Os dois países despontam, assim, como parceiros com capacidades e interesses complementares.

Acessar o mercado indiano requer uma abordagem afinada com a realidade local, tendo em mente as especificidades da economia política de sua agricultura. É essencial construir pontes com governos, cooperativas, FPOs, empresas e centros de inovação, respeitando a lógica e os valores da agricultura indiana, que busca segurança alimentar e bem-estar social.

O Brasil deve olhar para a Índia não apenas como destino de commodities, mas como parceiro em tecnologia, sustentabilidade e inovação. As oportunidades vão desde produção conjunta de insumos e máquinas agrícola a projetos estruturantes e de segurança alimentar. Além disso, startups e agtechs brasileiras encontram um ambiente propício à expansão, diante das políticas indianas de estímulo à inovação. Em suma: investir em estratégias sintonizadas com a realidade local, com presença institucional e forjando alianças locais duradouras.

Por fim, como a embaixada tem atuado para fortalecer os laços culturais e acadêmicos entre Brasil e Índia? Há programas de intercâmbio, ensino de português ou projetos de difusão da cultura brasileira no país?

A Embaixada do Brasil em Nova Délhi trabalha para o fortalecimento dos laços culturais e acadêmicos entre o Brasil e a Índia por meio de iniciativas como eventos culturais que disseminam a música, dança, as artes visuais e o cinema nacionais. Por exemplo, a programação cultural comemorativa do bicentenário da independência do Brasil, além de exposições em cidades como Nova Délhi, Goa, Patna, Chandigarh e Calcutá, que atraíram milhares de visitantes. No âmbito acadêmico, o Programa Brasileiro de Palestrantes da Universidade Jawaharlal Nehru (JNU), em Nova Délhi, traz especialistas brasileiros para atuarem como professores visitantes, ensinando português e promovendo a literatura brasileira. Há, no entanto, um enorme potencial a explorar, particularmente na cooperação acadêmica e na área de esportes. Com o crescimento dos laços comerciais, são amplas as perspectivas de fortalecer essas conexões por meio de parcerias duradouras e patrocínios, estabelecendo as bases para um relacionamento consistente.