Brasil se firma como polo estratégico da Coca-Cola com novo ciclo bilionário de aportes

Luciana Staciarini imprime uma gestão de impacto à frente de 33 fábricas e 600 mil empregos gerados no país.

Luciana Batista - Crédito Stella RibeiroLuciana Staciarini Batista, primeira mulher a liderar a Coca-Cola no Brasil. (Foto: Divulgação)

Pela primeira vez em mais de 80 anos, uma mulher ocupa o posto mais alto da Coca-Cola no Brasil. À frente também do Cone Sul, Luciana Staciarini Batista conduz uma operação estratégica em meio a um ciclo bilionário de investimentos. Mas sua visão de liderança vai além dos números: ela defende uma cultura que una crescimento e responsabilidade social, inovação e impacto, resultados e propósito.

“Quero que sejamos lembrados como um motor de crescimento sustentável para o sistema Coca-Cola”, afirma a executiva, que assumiu o cargo em 2022 após uma sólida carreira na consultoria Bain & Company, com foco em consumo e ESG.

Luciana iniciou sua gestão com um gesto simples, mas decisivo: escutar antes de agir. “Entrei em uma empresa já muito bem-sucedida. Meu papel inicial foi entender por que as coisas eram como eram”, explica. A partir dessa escuta ativa, definiu prioridades voltadas à estratégia, inovação e fortalecimento do ecossistema da marca. Para ela, liderar é também transformar. “Liderança é inspiração e empoderamento. As pessoas precisam se sentir capazes de ir além de você”, diz.

O impacto da Coca-Cola no Brasil vai muito além da bebida mais conhecida do mundo. A operação envolve sete engarrafadores parceiros, 33 fábricas, dezenas de centros de distribuição e quase **600 mil empregos**, sendo **50 mil diretos**. Em um território continental, a capilaridade logística é tanto um desafio quanto um trunfo. E a confiança da companhia no país se reflete em números: um investimento recorde de **R$ 7 bilhões**, que sucede os R$ 4 bilhões do ano anterior, direcionados para expansão fabril, eficiência hídrica, marketing local e novas linhas de produção. Hoje, o Brasil é o **quarto maior mercado da Coca-Cola no mundo** e referência em inovação. “Muitas das nossas inovações nascem aqui e se tornam cases globais. O Schweppes Mix é um bom exemplo”, ressalta.

Luciana também tem uma leitura clara sobre o consumidor brasileiro: “Ele valoriza marcas com propósito, mas também quer novidades. É leal, mas curioso.” Isso exige um portfólio que combine tradição e inovação. A **Coca-Cola Zero**, por exemplo, ganhou força no país justamente pela fidelidade ao sabor da versão original. Essa busca por evolução passa ainda pela transformação digital. A **IA** já é aplicada em vendas, marketing personalizado, otimização de rotas e até no desenvolvimento de novos sabores. “Em campanhas recentes, usamos IA para criar interações personalizadas com o consumidor. No varejo, plataformas digitais já representam 80% da receita dos pequenos comerciantes parceiros”, detalha.

Sob sua liderança, a Coca-Cola Brasil atingiu 50% de mulheres em cargos de liderança. Para Luciana, crescimento sustentável depende de inclusão, propósito e geração de valor em toda a cadeia. “A cultura da Coca-Cola é marcada por colaboração, paixão pelas marcas e pelo consumidor, e uma busca constante por inovação. Somos uma empresa que acredita em criar magia — e isso vale tanto para fora quanto para dentro. Queremos pessoas que gostem de trabalhar aqui, que se sintam parte do negócio. Como operamos em sistema, a colaboração é fundamental. Além disso, buscamos cada vez mais agilidade, empoderando nossos times para inovar, crescer e provocar transformações positivas”, conclui.

A Coca-Cola anunciou um investimento de R$ 7 bilhões no Brasil. Qual será o destino desse recurso?

Esse investimento de R$ 7 bilhões sucede um aporte de R$ 4 bilhões feito no ano anterior, reforçando o compromisso contínuo da empresa com o país. Acreditamos fortemente no potencial de crescimento da Coca-Cola e de suas marcas no Brasil. Os recursos serão direcionados para diversas frentes: expansão da capacidade produtiva, com novas linhas de produção e ampliação fabril; modernização das unidades, com foco em eficiência hídrica e redução do consumo de água; renovação e ampliação da frota, ações de marketing local e outras iniciativas estratégicas. É um investimento que reafirma a confiança no Brasil como uma das principais alavancas de crescimento global da companhia.

Investir bilhões no Brasil certamente é algo significativo. O que o país representa para os negócios globais da Coca-Cola?

O Brasil é hoje o quarto maior mercado da companhia, extremamente relevante. E isso se dá por dois fatores principais. Primeiro, ainda vemos muito espaço para crescimento. Segundo, o país é referência em inovação dentro da companhia. Muitas iniciativas lançadas aqui se tornam inspiração global, o que reforça o potencial do Brasil não só como mercado consumidor, mas também como polo criativo para o nosso negócio.

E como vocês lidam, por exemplo, com o crescimento de mercados como a Índia?

Nosso objetivo é que todos os nossos mercados continuem crescendo. A Índia, inclusive, é um dos países prioritários para a companhia, e tem apresentado um crescimento muito significativo. No entanto, o Brasil tem um histórico mais longo, com marcas construídas de maneira consistente ao longo do tempo. Temos aprendido com o que dá certo em mercados como a Índia e, ao mesmo tempo, compartilhamos com eles as inovações bem-sucedidas desenvolvidas aqui.

Vocês costumam fazer testes de produtos no Brasil ou em regiões específicas antes de exportá-los?

Sim, muitas das nossas inovações nascem a partir de demandas locais, específicas de determinados mercados. Quando funcionam bem, essas ideias são levadas para outros países. O Brasil, recentemente, tem sido um dos principais mercados para lançamentos na categoria de bebidas alcoólicas. Por exemplo, com o Schweppes Mix, que é uma evolução da tônica tradicional — antes usada em coquetéis nos bares — e que agora está disponível em uma versão pronta para beber. É uma categoria que temos desenvolvido fortemente aqui, aprendendo com outros mercados e, ao mesmo tempo, exportando o que dá certo no Brasil.

Como funciona a operação da Coca-Cola aqui no país?

Trabalhamos com parceiros locais — os engarrafadores, que são responsáveis pela fabricação e distribuição dos nossos produtos. No Brasil, temos sete parceiros que operam dentro desse sistema, e é por meio deles que realizamos nossos investimentos industriais e logísticos. Estamos falando de 33 fábricas, dezenas de centros de distribuição e quase 600 mil empregos gerados, sendo cerca de 50 mil empregos diretos. Esse sistema permite que a gente chegue a mais de 1 milhão de pontos de venda no país. É um verdadeiro motor de crescimento.

A distribuição em um país com dimensões continentais como o Brasil é o seu maior desafio?

Sem dúvida, a distribuição é um desafio importante, mas é também uma das nossas grandes fortalezas. Temos construído um sistema que sabe fazer isso melhor do que qualquer outra empresa de bens de consumo. Em qualquer lugar do país, conseguimos garantir que nosso portfólio esteja disponível — isso é resultado de uma operação logística robusta e altamente capilarizada.

A Coca-Cola original ainda é o carro-chefe da companhia?

Sim, a Coca-Cola original continua sendo nosso principal produto, é o que mais vende. Mas temos visto um crescimento muito acelerado da Coca-Cola Zero, o que nos deixa bastante otimistas. Isso reflete a nossa estratégia de portfólio: queremos ser uma empresa total de bebidas, oferecendo opções para todos os gostos e necessidades. Seja com ou sem açúcar, o consumidor encontra o melhor sabor com a gente.

E por que a versão zero açúcar deu tão certo no Brasil, enquanto em outros países não teve a mesma força?

Acho que o sucesso aqui está muito ligado ao sabor. A Coca-Cola Zero que temos no Brasil tem um gosto muito próximo da versão original, o que agrada bastante o consumidor. Além disso, damos a opção — se você quer um produto com ou sem açúcar, está disponível. Nos EUA, por exemplo, há também a versão Diet, que tem seu público fiel. Aqui, a Zero encontrou um público amplo, e a fórmula fez toda a diferença.

Quais fatores externos afetam diretamente o negócio da Coca-Cola?

Assim como qualquer empresa, somos impactados por questões econômicas — renda da população, inflação, desemprego — tudo isso influencia no consumo. Outro fator importante é o clima: dias mais quentes impulsionam a venda de todas as nossas categorias, especialmente água e bebidas com maior elasticidade à temperatura.

Quando observamos o desempenho global da companhia, vemos um destaque constante para os mercados emergentes — e o Brasil é frequentemente citado. A que se deve esse crescimento?

Temos vários fatores que explicam isso. Primeiro, o consumo per capita ainda tem espaço para crescer. Apesar de sermos um mercado relevante, não atingimos os níveis de consumo de países vizinhos, como o Chile, por exemplo. Além disso, temos feito um trabalho muito consistente de execução no ponto de venda e de adaptação dos nossos produtos às necessidades locais. Com crescimento econômico e uma estratégia bem implementada, conseguimos manter uma trajetória contínua de expansão. E, como mercado em desenvolvimento, o Brasil tem mostrado que pode crescer ainda mais dentro da estrutura global da companhia.

Você fala bastante sobre a importância de entender o consumidor local. Qual foi a maior transformação no consumo e no varejo nos últimos anos?

Houve uma mudança profunda. Saímos de um consumo físico para um consumo digital totalmente integrado ao cotidiano das pessoas. Lembro das primeiras conversas sobre e-commerce, que depois evoluíram para o omnichannel — e hoje não existe mais essa separação. É tudo parte da mesma estratégia. Além disso, os investimentos em canais digitais passaram a ser tão ou mais relevantes quanto a abertura de lojas físicas. Também houve uma transformação nos meios de comunicação com o consumidor: as marcas, inclusive a Coca-Cola, passaram a buscar novas formas de se relacionar, aproveitando as plataformas digitais de maneira muito mais personalizada.

O consumidor brasileiro tem alguma característica que o distingue dos consumidores de outros países?

Sim, o brasileiro valoriza a novidade. Ao mesmo tempo em que tem carinho e lealdade por marcas tradicionais, ele também está sempre aberto a experimentar coisas novas. Por isso, trabalhamos com um portfólio que combina essas duas frentes — oferecendo embalagens e produtos que se adaptam a diferentes ocasiões de consumo e perfis de público. É esse equilíbrio entre tradição e inovação que guia nossa atuação no Brasil.

E como estão os outros países que você também lidera, como a Argentina, por exemplo?

Cada país tem suas particularidades. Na Argentina, por exemplo, o sabor mais consumido, além da Coca-Cola, é a Sprite — diferente do Brasil, onde a Fanta Laranja tem grande protagonismo. O consumo no canal on-premise (bares, restaurantes) também é muito forte por lá, o que reflete uma cultura mais gregária. Já no Chile, temos um dos maiores percentuais de embalagens retornáveis de toda a companhia, algo bastante enraizado nos hábitos de consumo locais. Em cada país, procuramos adaptar nosso portfólio e também importar boas práticas que podem ser replicadas em outras regiões.

Você, que tem uma trajetória extensa no varejo e no consumo, como avalia a transformação da Coca-Cola em uma das marcas mais populares do planeta?

A mágica da Coca-Cola vai muito além da fórmula secreta. Está na forma como trabalhamos a marca: entendendo profundamente os consumidores de cada mercado, customizando campanhas, construindo parcerias sólidas com os engarrafadores — que conhecem a realidade local — e mantendo uma consistência impressionante ao longo do tempo. A essência da Coca-Cola continua a mesma, mas a maneira como nos comunicamos evolui junto com o consumidor. Essa capacidade de adaptação é, sem dúvida, um diferencial difícil de replicar.

Você tem uma visão muito clara do Brasil. Qual é a maior dificuldade de fazer negócios por aqui?

O lado positivo é que ser um executivo no Brasil te ensina a ser adaptável e resiliente — qualidades essenciais em qualquer lugar do mundo. Por outro lado, temos desafios importantes relacionados à previsibilidade do ambiente de negócios. Mudanças frequentes em regulação e tributação impactam diretamente a operação. A consistência e a estabilidade são fundamentais para o crescimento de longo prazo, e essa é uma área em que ainda temos espaço para avançar.

Você está há 1 ano e 10 meses na presidência da companhia. Qual legado deseja deixar?

Quero que a gente seja lembrado como um motor de crescimento sustentável para o sistema Coca-Cola. Sustentável em todos os sentidos: crescimento econômico, geração de valor para acionistas, engajamento da cadeia produtiva e impacto positivo nas comunidades em que atuamos. Acredito muito na ideia de que todos devem ganhar com os nossos produtos — parceiros, clientes, consumidores e a sociedade. Deixar esse equilíbrio entre resultados e impacto positivo é, para mim, o maior legado possível.

E como vocês lidam com uma geração mais jovem e com esse movimento global por uma alimentação mais saudável?

Nosso foco está em oferecer opções. Se a pessoa quer consumir menos calorias, temos Coca-Cola Zero. Se prefere uma bebida sem gás, temos Mate Leão, Del Valle, AdeS. E entendemos que cada momento de consumo pede algo diferente. Não se trata de substituir um produto pelo outro, mas de ampliar o portfólio para atender a diferentes perfis e ocasiões.

Você mencionou a complexidade da distribuição no Brasil, especialmente fora da região Sudeste. Mas e em relação aos produtos — há variações regionais?

Sim, há bastante diferenciação regional. Mesmo um produto sendo o mesmo, o tipo de embalagem ou o volume vendido pode variar de acordo com a região. Por exemplo, no Rio de Janeiro, Mate Leão é uma marca queridinha e tem um consumo muito acima da média nacional. Já no Nordeste, temos a Fanta Caju, um sabor bem local e que faz muito sucesso. Também temos marcas regionais de guaraná, que são extremamente conectadas ao consumidor local. Algumas dessas marcas ficam restritas à região, enquanto outras ganham projeção nacional, como foi o caso do próprio Mate Leão.

A inteligência artificial já está presente no sistema Coca-Cola?

Sim, e cada vez mais. A inteligência artificial faz parte da nossa agenda de digitalização. No relacionamento com o consumidor, fomos pioneiros em campanhas com geração de imagem — logo no início da popularização de ferramentas como o ChatGPT. Tivemos campanhas de Natal em que o consumidor podia criar seu cartão personalizado com o Papai Noel da Coca-Cola, por exemplo. Do lado dos clientes, usamos IA para otimizar vendas, com plataformas que já representam 80% da receita do pequeno varejo. Temos também modelos de recomendação de compra, reconhecimento de imagem no ponto de venda, entre outros. Internamente, a IA também apoia o desenvolvimento de novos produtos, inclusive com testes de fórmulas baseados em leitura facial e sensorial. É um salto importante em todas as frentes.

Grandes empresas têm culturas organizacionais muito bem definidas. Qual é a cultura da Coca-Cola?

A cultura da Coca-Cola é marcada por colaboração, paixão pelas marcas e pelo consumidor, e uma busca constante por inovação. Somos uma empresa que acredita em criar magia — e isso vale tanto para fora quanto para dentro. Queremos pessoas que gostem de trabalhar aqui, que se sintam parte do negócio. Como operamos em sistema, a colaboração é fundamental: entre parceiros, países e unidades de negócio. Além disso, buscamos cada vez mais agilidade na tomada de decisões, empoderando nossos times para inovar, crescer e provocar transformações positivas.

Você mencionou novos produtos e o uso de IA nesse processo. O Brasil participa da criação ou tudo vem de fora?

O Brasil é um mercado prioritário, então tudo o que lançamos aqui é testado com o consumidor brasileiro. Muitas vezes, as ideias vêm daqui. Em outros casos, são conceitos globais que adaptamos. Por exemplo, a campanha dos nomes nas latinhas é global, mas os nomes são customizados para a nova geração brasileira. Também temos campanhas totalmente locais, como as de Guaraná Kuat no São João do Nordeste. Cada caso é avaliado de forma estratégica.

Como os executivos estrangeiros — especialmente os americanos — veem o Brasil, além dessa posição de destaque como quarto maior mercado da Coca-Cola?

Cada vez mais, eles enxergam o Brasil como uma alavanca de crescimento real para a companhia. Nosso desempenho consistente ao longo dos anos fortalece essa percepção. Quando apresentamos resultados sólidos e bem estruturados, mostramos que o país tem, sim, capacidade de gerar retorno sobre os investimentos — como esses R$ 7 bilhões que comentamos anteriormente. Existe uma confiança crescente no potencial do Brasil dentro da estratégia global.