Falta de infraestrutura e de tecnologia pode comprometer hidrogênio verde no Brasil
Desafios operacionais, como infraestrutura insuficiente de armazenamento e de distribuição, limitações tecnológicas e atraso na definição de políticas de fomento a essa indústria, precisam ser resolvidos rapidamente, aponta estudo da EY-Parthenon.
Diogo Yamamoto, sócio da EY-Parthenon. (Foto: Divulgação)
Ninguém questiona o potencial do Brasil na produção de hidrogênio verde (H2V), que será fundamental para as pretensões globais de redução das emissões de carbono. O país tem a característica ideal para se tornar um dos principais produtores mundiais: predomínio de matriz energética limpa ou sustentável, com previsão de crescimento nos próximos anos, o que o torna competitivo na precificação do H2V. O Brasil, de acordo com estudo da BloombergNEF, deve ser um dos únicos países capazes de obter hidrogênio verde a um custo bastante competitivo de US$ 1,47 por quilo até 2030.
No entanto, para que esse potencial seja aproveitado, há desafios operacionais que precisam ser superados, de acordo com estudo da EY-Parthenon que esmiuçou essa indústria. "São basicamente quatro grandes questões a serem resolvidas para que o país não fique para trás nessa corrida que conta com concorrentes como Austrália, Holanda e Reino Unido – ainda que nenhum deles tenha condições energéticas tão favoráveis como a do Brasil", destaca Diogo Yamamoto, sócio da EY-Parthenon.
A primeira diz respeito a uma estratégia ainda pouco clara para o H2V no planejamento energético nacional. Essa situação, na avaliação do estudo, retarda o desenvolvimento de uma cadeia de valor mais competitiva que atenda às demandas domésticas e globais.
"A estrutura atual da cadeia de valor do hidrogênio verde favorece a produção em larga escala para exportação em regiões específicas. No entanto, ainda não está claro como distribuir competitivamente o H2V para zonas industriais e mercados em todo o país, que, como sabemos, tem uma extensão continental", explica Yamamoto.
Há dois modelos de estrutura dessa cadeia de valor: o descentralizado e o centralizado. No primeiro, as instalações de produção de H2V estão distribuídas em vários hubs espalhados pelo país. A vantagem é que há mais flexibilidade no dimensionamento da produção de H2V de acordo com a demanda local e disponibilidade de recursos. Os benefícios são essencialmente localizados, como a redução das perdas de transmissão associadas ao transporte de hidrogênio verde por longas distâncias. Já no centralizado, conforme projeto anunciado para o Complexo Industrial e Portuário do Pecém, no Ceará, as instalações são para produção em larga escala e estão estrategicamente localizadas – perto de abundantes centros industriais e/ou de fontes de energia renovável – para otimizar a eficiência da produção e distribuição.
A proximidade de fontes de energia como eólica e solar é relevante, ainda segundo o estudo, para reduzir os custos de obtenção do hidrogênio verde. Isso porque o H2V é raramente encontrado na natureza em sua forma elementar (H2), integrando geralmente moléculas como a água (H2O). A energia elétrica é necessária para extrair o hidrogênio dessas moléculas. Quando a eletricidade para quebrar a molécula – processo denominado eletrólise – vem de fontes renováveis, o hidrogênio resultante recebe o carimbo de verde, podendo ser chamado de hidrogênio neutro em carbono.
"Esses dois modelos de estrutura da cadeia de valor podem ser utilizados desde que de forma orquestrada. A maximização potencial das demandas nacionais e internacionais exige planejamento estratégico da economia H2V e um modelo de cadeia de valor adaptado às necessidades únicas do Brasil", diz Yamamoto.
O segundo desafio a ser solucionado com urgência está ligado a esse primeiro, já que, enquanto os países desenvolvidos estabeleceram marcos regulatórios para promover a indústria de hidrogênio verde, o Brasil está atrasado nas políticas estratégicas para fortalecer suas capacidades locais. Há diversos exemplos que demonstram isso, como é o caso do eletrolisador, a máquina que quebra a molécula de água. Sem ele, não há eletrólise, mas nenhuma meta de fabricação foi estabelecida nacionalmente. Por outro lado, o Reino Unido concedeu US$ 9,8 milhões para um estudo de viabilidade para aumentar o tamanho do eletrolisador para 100 MW e capacidade de fabricação para 300 MW/ano até 2023 e para 1 GW/ano até 2025.
Já em relação ao apoio financeiro para energia renovável, a Austrália está financiando o desenvolvimento do H2V por meio de agência estatal. No Brasil, essas iniciativas ainda não ganharam tração. Por fim, o Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2), embora tenha o mérito de apresentar as principais diretrizes para a indústria, não traz um roteiro claro para viabilizar esses investimentos. Ao mesmo tempo, países como Japão, Austrália e Canadá, além da própria União Europeia, adotaram estratégias que estabelecem um roteiro claro para a produção de hidrogênio verde, o que traz segurança jurídica para potenciais investidores.
Distribuição do H2V
Ainda segundo o estudo da EY-Parthenon, o terceiro grande desafio do Brasil para aproveitar o potencial da produção de hidrogênio verde está na inadequação dos portos, dutos e infraestrutura de armazenamento para atender aos requisitos da distribuição. Os gasodutos representam a escolha mais econômica a longo prazo para distribuição local de hidrogênio, mas essa rede no país está concentrada nas áreas costeiras, dificultando a distribuição de hidrogênio para outros polos industriais. "Além disso, a distribuição de H2V exige gasodutos que atendam a especificações técnicas, não estando nossa malha em conformidade com esses requisitos", explica Yamamoto.
Nesse contexto, o transporte rodoviário de mercadorias, que é o mais usado no Brasil, aparece como alternativa. O problema é que, de acordo com a CNT (Confederação Nacional do Transporte), 55% da extensão do pavimento está em condições razoáveis, ruins ou muito ruins, trazendo insegurança para o transporte de hidrogênio.
Por fim, como quarto grande desafio, há o fornecimento de energia renovável para atender à demanda projetada de H2V em 2030. Como a eletrólise requer alta capacidade energética e o hidrogênio verde só recebe esse selo se for produzido com renováveis, o Brasil vai precisar expandir sua produção de energia advinda de fontes como eólica e solar, o que tem acontecido, mas em uma velocidade menor do que a necessária. Há, ainda, de acordo com o estudo, uma incerteza no mercado sobre se a oferta de recursos naturais será suficiente para atender à demanda projetada.
"Essa é uma questão também global. O ritmo lento do avanço tecnológico para maximizar o uso de recursos naturais, como água e minerais críticos, e de capital humano para a produção de H2V cria incertezas sobre a capacidade e os custos de produção para atender à demanda esperada. A produção de eletrolisadores, por exemplo, aumentará a demanda por minerais críticos, e a transição para a eletrólise da água vai exigir o desenvolvimento de tecnologias adicionais, como a água de reúso e a eletrólise da água salgada", finaliza Yamamoto.