Nanovacinas abrem nova frente na luta contra o câncer

Estudo aponta que a grande vantagem desta abordagem é a sua versatilidade, que pode contribuir para novas pesquisas na área.

 

dna-closelyAs imunoterapias podem ser adaptada para diferentes tipos de câncer, estágios da doença e diferentes pacientes. (Foto: Freepik)

Um artigo de revisão, produzido por pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, traçou um panorama sobre as nanovacinas contra o câncer, abordagem que utiliza a nanotecnologia para ativar o sistema imunológico contra tumores.

A diversidade de estratégias adotadas para desenhar as nanovacinas, incluindo os tipos de antígenos, nanocarreadores, suas funções e a incorporação de adjuvantes, é abordada pelos pesquisadores. Os achados do trabalho podem orientar futuras pesquisas e contribuir para o avanço dessa terapia na luta contra a doença.

“O desenvolvimento de vacinas para câncer já existe há décadas, mas muitos problemas vêm sendo enfrentados, como a baixa imunogenicidade [capacidade de uma substância ativar uma resposta imune]”, afirma Gabriel de Camargo Zaccariotto, primeiro autor do artigo, ao Jornal da USP. “Mas, com o avanço da nanotecnologia, as coisas mudaram. Agora colocamos um antígeno dentro da nanopartícula e conseguimos fazer com que ela chegue aonde a gente quer [no caso, nas células do sistema imune] para que elas processem esses antígenos e reconheçam as células do câncer.”

As nanovacinas geralmente são compostas de três elementos fundamentais e cada um deles desempenha um papel importante para a formação da resposta imunológica.

Os antígenos, considerados um dos componentes-chave da fórmula, estimulam o sistema imunológico a reconhecer e desencadear uma resposta contra alvos específicos. No caso do câncer, eles podem ser originados do próprio tumor, ou ainda de mRNA, peptídeos sintéticos e DNA.

Os adjuvantes são os responsáveis por aumentar a resposta imune aos antígenos, levando a uma maior eficácia da vacina. O terceiro componente são os nanocarreadores, veículos de entrega que encapsulam antígenos e/ou adjuvantes, protegendo-os da degradação, facilitando sua liberação controlada e promovendo sua entrega direcionada a células ou tecidos específicos. Eles podem ser de lipídios, polímeros ou materiais inorgânicos, cada um oferecendo vantagens diferentes em termos de estabilidade, biocompatibilidade e personalização.

Prevenir e tratar

As nanovacinas podem ser do tipo preventivas ou terapêuticas. As preventivas visam interromper o crescimento e a proliferação tumoral antes que eles se manifestem clinicamente. Já as terapêuticas são projetadas para tratar tumores existentes, sensibilizando o sistema imunológico para reconhecer e destruir células cancerígenas. “Estamos acostumados com as vacinas preventivas, como as que protegem contra a covid-19”, explica Valtencir Zucolotto, coordenador do GNano e orientador da pesquisa. “Para o câncer, os estudos, em sua maioria, são para o desenvolvimento de vacinas terapêuticas, que estimulam o sistema imunológico a atacar aquele alvo.”

O câncer é considerado uma das mais complexas doenças existentes e, apesar dos avanços em diagnóstico e tratamento, ele ainda representa um desafio para a medicina devido à sua capacidade de escapar do sistema de defesa e à sua resistência aos tratamentos convencionais.

Em geral, a terapia do câncer é baseada na retirada do tumor seguida de quimioterapia e radioterapia, mas esses tratamentos podem ser muito debilitantes, além de proporcionar melhoras modestas na sobrevida do paciente.

Por isso, as imunoterapias, como as vacinas contra o câncer, surgiram como um novo paradigma, aproveitando a capacidade do sistema imunológico de atacar as células cancerígenas. De acordo com o estudo, uma grande vantagem dessa abordagem é a sua versatilidade: ela pode ser adaptada para diferentes tipos de câncer, estágios da doença e diferentes pacientes.

“Isso se tornou uma revolução industrial, não é mais uma revolução científica nem tecnológica”, comemora Valtencir Zucolotto, ao relembrar que esses avanços foram possíveis com a produção da vacina de RNA da Pfizer e da Moderna contra a covid-19.

Futuro

Ensaios clínicos em andamento vêm demonstrando que as nanovacinas podem aumentar significativamente a eficácia de outros tratamentos, como os inibidores de checkpoint imunológico (classe de medicamentos utilizados em vários tipos de câncer, visando às vias regulatórias do sistema imunológico, conhecidas como checkpoints). Neste caso, houve redução nos riscos de metástase, recorrência da doença e morte entre os pacientes.

Apesar de inovadora e revolucionária, a aplicação das nanovacinas ainda enfrenta muitos desafios. Poucas formulações já chegaram à fase de testes clínicos avançados e nenhuma foi aprovada até o momento para uso comercial em pacientes com câncer.

Outro ponto importante abordado pelos cientistas no artigo é a logística para fabricação. “Diferente do que a gente conhece [vacinas já prontas, disponíveis em postos de saúde e clínicas], essa [nanovacina] é fabricada de acordo com o tumor do paciente”, explica Gabriel Zaccariotto. “Temos que fazer a biópsia do tumor, levá-la ao laboratório, fazer o sequenciamento genético e produzir a vacina. O processo todo pode demorar até nove semanas e isso significa um longo período para um paciente oncológico.”

Zucolotto é coordenador do GNano, um laboratório que estuda a nanotecnologia aplicada à saúde e ao agronegócio. “Produzimos, na parte de diagnóstico, testes rápidos como os da covid-19, que vendem na farmácia”, explica Zucolotto, que também está à frente do Centro de Nanotecnologia Aplicada ao Câncer e Doenças Raras, sediado no IFSC. “Recentemente desenvolvemos uma patente, um teste específico para tuberculose. É algo inédito e muito importante.”

Na área terapêutica, Zucolotto explica ao Jornal da USP o que o grupo vem desenvolvendo: “Criamos uma nanopartícula, que é uma partícula mil vezes menor do que uma célula humana, mil vezes menor do que a espessura de um fio de cabelo. Fabricamos essa nanopartícula e dentro dessa partícula colocamos, por exemplo, um fármaco, um remédio que é muito usado, por exemplo, para glioblastoma (tumor cerebral agressivo), o padrão ouro para tratamento quimioterápico”.

Já no agronegócio, há vários alunos estudando métodos para utilização de defensivos de maneira controlada. “Em vez de aplicar aquele monte de defensivo agrícola, nutrientes ou fertilizantes – em que enfrentamos problemas de segurança, contaminação –, colocamos esses defensivos dentro dessas nanocápsulas, que os entregam para as plantas.” Para isso, o grupo faz parcerias com empresas nacionais e multinacionais.

Zucolotto diz que, mais recentemente, o grupo está aplicando a nanotecnologia para silenciamento genético para câncer. “Os principais são pâncreas, pulmão e glioblastoma”, relata. Já Zaccariotto segue com seu projeto de doutorado, desenvolvendo nanopartículas naturais provenientes de microalgas, para tratamento do glioblastoma. “Não necessariamente para desenvolver uma resposta imune contra o glioblastoma, mas para afetar o tumor diretamente e fazer com que ele se torne menos agressivo”, completa o pesquisador.